toponímia: gentes & lugares
Cada topónimo, cada nome de lugar, terá a sua origem, a sua razão de ser, mesmo que seja uma razão que pareça ou apareça sem razão. Gentes e lugares, porque sem gente não há lugares, mesmo que os haja. Os lugares precisam de um nome e de quem os nomeie, precisam de gente. Mas as gentes também precisam de um lugar, para ser e para estar...
domingo, 29 de junho de 2014
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
JOSÉ ESTÊVÃO: Revolução e Liberdade
terça-feira, 14 de julho de 2009
O topónimo AVEIRO
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Quanto ao
(1) LÓPEZ QUIROGA, Jorge; MARTÍNEZ TEJERA, Artemio M. – El
(2) Almeida Fernandes considera
quinta-feira, 26 de março de 2009
Mário Sacramento morreu há 40 anos
MÁRIO SACRAMENTO (1920-1969) morreu há 40 anos, sem ver o Portugal livre por que tanto combatera. Médico, escritor, crítico literário, político empenhado e cidadão de corpo inteiro, a morte, pressentida, levou-o cinco anos antes do 25 de Abril, nas vésperas do 2º Congresso da Oposição Democrática, que o homenageou deixando vaga a sua cadeira na mesa da presidência. Em humilde homenagem, deixamos aqui a sua carta-testamento.
Caramulo,
Pousada de S. Lourenço,
7 de Abril de 1967
Aos mais adiados...
Vai sendo tempo de escrever uma carta de despedida! A velha carcaça é já uma ruína nítida. A somar às cicatrizes das lesões pulmonares que tive, há bronquiectasias e zonas de enfisema do impossível fumador que sou, as quais hão-de vir a resultar num coração pulmonar. A tensão mínima já começa a ressentir-se disso. O rim deita vestígios acentuados de albumina e cilindros. E o estômago tem qualquer coisa que um destes dias hei-de averiguar... Como não posso nem devo emagrecer excessivamente — são os próprios colegas que mo dizem —, dado o perigo de reactivação das antigas lesões bacilares, o peso é também um contra. E, como deixar de fumar, nesta idade, além de ser um sacrifício inglório que me roubaria um dos poucos apegos concretos que ainda tenho à vida, seria levar-me a engordar ainda mais, o balanço é portanto muito nítido. Quantos anos? Depois dos cinquenta acaba-se, estou convencido. Mais erro, menos erro, a média deve ser essa.
Começo por isso a ter pressa de fazer umas tantas coisas que reservei para a fase final, quando a terrível batalha que travei na sobrevivência contra o fascismo me deixasse, à margem desta profissão cujas dificuldades e condicionamentos económicos, sociais e políticos liquidaram tantos dos meus sonhos, margem para isso. Espero roubar, sempre que possa, alguns dias à labuta e à engrenagem diária e isolar-me, como agora fiz, para escrever qualquer coisa de mais íntimo. Para o romance cíclico que trago há tantos anos na cabeça, não chegará o tempo, decerto. E é melhor assim, pois evito uma desilusão e sempre morrerei com o arzinho angustiado de vítima dum mau destino, o que é chique, como diria o Eça...
Antes de tudo, impõe-se, porém, que escreva estas singelas palavras. Quem pode afiançar-me que não vou acabar hemiplégico e afásico, como minha Mãe? Deixa aqui, então, o que depois não poderás!
Deixar cheira a testamento. E eu, que deixe, só tenho o corpo. Por mais que fizesse, por mais que me fizessem, disso é que nunca consegui ser espoliado! E, como é com ele que me avenho nas noites de insónia e nas porfias diárias, é justo que lhe dedique, ao menos, um pensamento em vida. E não o legue aos cães... Pois não equivaleria a isso estar a ver-me, daqui, de barba feita a posteriori, sapatos engraxa¬dos, fato de ver a Deus, a apresentar as minhas despedidas, muito formalizado, de dentro da cabine — espacial? Como não tenciono ir para parte nenhuma, metam-me como eu estiver no caixote mais barato que encontrem e devolvam-me os restos à terra. A terra sabe lavar-se. E não há nada como um cadáver «limpo» para marcar um limite.
Se morresse em localidade com forno crematório, não desgostava disso, se não fosse caro. E, por falar em caro: não sei se a terra será o mais barato para o caso, — ó contradições do capitalismo! E, como isto de morrer também «custa» aos outros, há que prevê-lo. A família tem uma pirâmide egípcia em Ílhavo. Embora eu esteja farto de conhecer prisões em vida, como nessa altura quem terá de aguentar isso é «o outro», não me oponho a ir para lá, se for mais económico ou mais fácil de arrumar. Não faço questões nenhumas com a morte... Ela nega-me, e é tudo. A grande magana!
Não, o motivo fundamental desta carta é outro. Aceitei dialogar, nestes últimos tempos, com os católicos. Se tivesse nascido num país protestante ou árabe ou budista, tê-lo-ia feito com esses. Pois do que se tratava — se trata, ó morto-vivo!, ainda não acabaste! — era, é de dialogar com os progressistas e, sobretudo, com o povo, directa ou indirectamente. Não há-de faltar contudo — sempre assim foi, ó alminhas santas! — quem procure fazer sujeira com isso e aproveitar-se duma ambiguidade que surja para me denegrir a memória. Se a minha Mulher ainda estiver viva — ela tem sido boa companheira! — não haverá problemas com isso, estou convencido. E o mesmo se dará se os filhos estiverem atentos: eles têm carácter. Mas quem pode prever tudo? Não que eu faça grande questão do meu bom-nome: estou-me nas tintas para ele, depois de morto. Mas, além dele pertencer, também, aos filhos dos Filhos e a estes, pertence aos meus companheiros de jornada. E, que diabo, se passei tantos maus bocados por eles, em vida, é porque considerei que era esse o meu destino. E um homem tem o direito de o defender, mesmo depois de morto!
Fica portanto entendido que sou ateu e como ateu devo ser enterrado. Em vez dum pano preto, ponham um paninho vermelho no caixote, se puderem. E usem luto vermelho, se algum quiserem usar...
Mesmo que eu ficasse pílulas ou sugestionável à hora da morte, isso não modificaria ser esta a minha opinião responsável. É esta, por conseguinte, a única válida.
Claro está que gostaria de ter sido melhor homem, melhor marido e melhor pai. A perspectiva da morte só tem de positivo fazer-nos pensar assim. Mas o homem é um bicho complicado. E eu tenho a consciência de que, pelo menos, me bati sempre comigo mesmo para ser melhor do que poderia ter sido. Fui amigo da família à minha maneira: sem efusões líricas ou rodriguinhos. E, se não fiz mais por ela, foi porque não pude, tanto no sentido social como psicológico do verbo. A prova de que o meu desejo era ser bom marido e bom pai está no muito que li, pensei e escrevi sobre isso. Sejam os Filhos melhores do que eu pude — foi sempre esse o meu sentido de missão.
Nasci e vivi num mundo de inferno. Há dezenas de anos que sofro, na minha carne e no meu espírito o fascismo. Recebi dele perseguições de toda a ordem — físicas, económicas, profissionais, intelectuais, morais. Mas, que não as tivesse sofrido, o meu dever era combatê-lo. O fascismo é o fim da pré-história do homem. E procede, por isso, como um gangster encurralado. Fiz o que pude para me libertar, e aos outros, dele. É essa a única herança que deixo aos meus Filhos e aos meus Companheiros. Acabem a obra! Derrubem o fascismo, se nós não o pudermos fazer antesl Instaurem uma sociedade humana! Promovam o socialismo, mas promovam-no cientificamente, sem dogmatismos sectários, sem radicalismos pequeno-burgueses! Aprendam com os erros do passado. E lembrem-se de que nós, os mortos, iremos, nisso, ao vosso lado!
Não veremos o que quisemos, mas quisemos o que vimos. E este querer é um imperativo histórico. Há milhões de mortos a dizer-vos: avante!
Para a Mulher, um abraço, simples e esquivo como eu sempre fui. Para os Filhos, um beijo, frio e recalcado como eu sempre lhes dei. Para todos, um afecto. Quem tinha tão pouco que dar a tantos, teve de ser avaro... Mas morre convencido de que não guardou nada para si. Ou de que teve, pelo menos, essa intenção.
Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!
Mário Sacramento
[– Carta-testamento. Porto: Editorial Inova, 1973. p. 15-18]
sábado, 14 de março de 2009
Monte da Paradaia (Romãs, Sátão)
Pede-me um leitor deste blogue para estudar a possível origem do topónimo Paradaia, que identifica um monte na freguesia de Romãs, concelho de Sátão. O topónimo em questão é ignorado pelos nossos documentos oficiais que, para o mesmo acidente geográfico, registam os nomes de Monte do Barrocal ou Monte de Nossa Senhora do Barrocal. Acrescenta o nosso consulente que, neste lugar, estão referenciados «uma necrópole, um castro e uma igreja moçárabe».
Uma rápida pesquisa permitiu-me acrescentar algo mais a estas informações, como seja o facto de ali se realizar, no dia 2 de Fevereiro de cada ano, a romaria de Nossa Senhora do Barrocal, em honra de Nossa Senhora das Candeias, orago da capela ali existente, a que o povo chama Capela das Candeias ou da Fevereirinha.
Esta romaria corresponderá, quase pela certa, considerando as particularidades do lugar e os respectivos achados, à cristianização do festival celta do primeiro dia de Fevereiro, conhecido por Imbolc "Purificação" ou Dia da Senhora, que honrava a deusa Brigitt, «filha do deus Dagda, a deusa tripla dos cabelos de ouro. Era a mãe, a filha e a esposa dos deuses das origens e dos primeiros druidas. Personificava a poesia, a saúde, a força, a adivinhação, a inteligência e protegia o lar». O processo da cristianização, perante a dificuldade em erradicar as múltiplas manifestações da religião e dos costumes pagãos, transformou esta deusa Brígida
A ocupação romana trouxe consigo um pouco de todo o império, incluindo, como não podia deixar de ser, a sua religião, abrindo caminho a novos sincretismos.
Neste mesmo mês de Fevereiro, entre os dias 13 e
Considerando as características do Monte da Paradaia e a existência ali de uma necrópole, pensamos ter encontrado a resposta para a origem deste topónimo no festival religioso a que acabámos de aludir. A legitimação desta hipótese, que até o nome da freguesia parece confirmar, deixamo-la a cargo de quem melhor a pode fazer: a Arqueologia.
Parentalia, era o nome deste festival, e daqui podia derivar o nome Paradaia, mediante fenómenos fonéticos presentes na formação da língua portuguesa:
Parentalia >
> *parantalia (assimilação da segunda sílaba por influência das envolventes);
> *paratalia (assimilação progressiva da segunda sílaba por desnasalação);
> *paradalia (por sonorização do intervocálico -t- > -d-);
sábado, 28 de fevereiro de 2009
AVEIRO: ALIOVIRIO não tem nada a ver com ALAVARIO.
O documento a que se refere esta notícia, datado do ano 960 da era de César, a que corresponde o ano 922 da era de Cristo, pertence ao Livro Preto da Sé de Coimbra (1), donde foi copiado por Alexandre Herculano para publicação nos seus Diplomata et Chartae (2).
Como foi provado por Pierre David (3) e Miguel de Oliveira (4), trata-se de um falso datado do século XII, porventura nunca anterior a 1115 ou 1116 (5), manifestamente forjado na diocese conimbricense, com o desígnio de contrariar a pretensão da Sé portucalense de estender o seu território para a margem esquerda do rio Douro. Estavam em causa várias doações de propriedades na margem esquerda do Douro, feitas pelo rei Ordonho II (rei da Galiza de
Mas vamos ao que importa.
Segundo o Diário de Aveiro, João Gaspar pretende ter encontrado um documento que faz recuar 37 anos a data da mais antiga referência escrita para Aveiro, aqui sob a grafia Aliovirio. Mais acrescenta que o dito topónimo corresponde a um porto marítimo, coisa que não aparece em qualquer parte deste diploma.
No documento em análise, diz-se textualmente:
[…] et dedit ipse rex et ipsi comites nabulum et portaticum de dorio in die sabbati de portu de aliovirio et per totos illos portus usque in illa foce de durio […] (6).
A povoação, que ficava junto do rio Douro, entre Peso da Régua e Mesão Frio, «subtus montis Maraon discurent ribulo Sarmenia [ribeira de Sermanha] et flumine Doyro» (5), teria alguma importância, considerando a magna reunião dirigida pelo rei, que ali teve lugar em 911, e o facto de ali terem sido cunhadas duas moedas do rei visigodo Suintila (621-632).
O antigo porto de Aliovirio devia corresponder, grosso modo, à actual povoação de Caldas de Moledo, onde a antiga via militar romana de Bracara aos Transcudani, etc., por Lamego, atravessava o rio Douro (7).
(2) Herculano, Alexandre, dir.; Academia das Ciências de Lisboa, ed. lit. – Portugaliae Monumenta Historica: a saeculo octavo post Christum usque ad quintumdecimum. Diplomata et chartae. Olisipone: Typis Academicis, 1868. Vol. 1, fasc. 1, p. 16-17 (doc. n.º 25).
(3) DAVID, Pierre – Études historiques sur la Galice et le Portugal: du VIe au XIIe siècle. Lisboa-Paris: Institut Français au Portugal, 1947. XIV-579 p. (Collection Portugaise; vol. 7). p. 246-247.
(4) OLIVEIRA, Miguel de – Os Territórios Diocesanos. In Lusitania Sacra. Lisboa: Centro de Estudos de História Eclesiástica. Tomo I (1956), p. 45-50.
(5) COSTA, Avelino de Jesus da – O bispo D. Pedro e a organização da diocese de Braga. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1959. 2 vol. Vol. 1, p. 112, 138, 158-160, 163.
(6) Tradução: «e doou o mesmo rei e os mesmos condes o návão e o portádego do Douro, no sábado [de cada semana], desde o porto de Aliovirio e por todos os portos até à foz do Douro»
(7) FERNANDES, A. de Almeida – Paróquias suevas e dioceses visigóticas. Viana do Castelo: [Arquivo do Alto Minho], 1968. 181 p. Separata do "Arquivo do Alto Minho", vol. 14 a 16. p. 81-83.
(7) FERNANDES, A. de Almeida – Paróquias suevas e dioceses visigóticas. 2ª ed. resumida e actualizada. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1997. 176 p. ISBN 972-9474-11-7. p. 74-75.