sábado, 31 de março de 2007

Caramouchel: cômoro ou câmara?

Pedem-me que encontre um significado para o topónimo CARAMOUCHEL, um lugar da freguesia da Serra, do concelho de Tomar. Apresento as soluções que me parecem possíveis, sem tomar partido por nenhuma delas, o que só poderia fazer se conhecesse bem o local e a zona envolvente e, de preferência, se tivesse também conhecimento das antigas grafias do nome deste povoado. O nosso topónimo poderá ser um derivado de "cômoro" ou de "câmara", respectivamente dos étimos latinos cumulu- "montão" e camera- "abóbada".

No primeiro caso teríamos:
latim cumulu- > comoro (ano de 986) + -ouço (sufixo, possivelmente pré-romano, também presente no apelativo "pedrouço" e no topónimo "Barcouço") > comorouço > *coromouço (por metátese) > caramouço (por dissimilação vocálica). Por fim, "Caramouchel", uma formação moçarábica a partir de caramouço "montão".

Nesta interpretação, o topónimo Caramouchel seria um lugar com elevações de terreno, ou uma "
obra de terra que se constrói, como um valado, à margem de um rio, para que suas águas não inundem os campos" (Houaiss, s.v. "cômoro"), tendo chegado à forma actual durante a colonização de populações moçárabes.

No segundo caso poderíamos estar perante uma corrupção de "caramanchel", apelativo ainda hoje existente em português e espanhol:
latim camera- ou camara- + ancha [do latim ampla- "larga"] + -el > *camaranchel > caramanchel (metátese, como em camaranchão > caramanchão) > *caramonchel (dissimilação vocálica) > caramouchel (ditongação do -o- nasal).
Nesta segunda hipótese, o topónimo Caramouchel poderia referir-se a "um posto de vigia ou mirante" (Houaiss, s.v. "caramanchão"), sobrepujado num edifício da povoação. Poderia ser um posto de vigia da passagem que lhe está próxima, assinalada pelo topónimo "Portela".

bibliografia

KRÜGER, Fritz (1956) — Problemas etimológicos: Las raíces car-, carr- y corr- en los dialectos peninsulares. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas / Centro de Estudios de Etnologia Peninsular. 189 p. (Biblioteca de Dialectologia y Tradiciones Populares; 9).

terça-feira, 27 de março de 2007

A magia das luzes: Alumieira, Lumiar (3)

Temos, por fim, os topónimos Alumieira, nome de um pequeno lugar da freguesia de Esgueira (concelho de Aveiro) e de uma povoação da freguesia do Loureiro (concelho de Oliveira de Azeméis). Nestes dois povoados, e também no lugar da Taipa da freguesia de Requeixo (concelho de Aveiro), existem capelas da invocação de Nossa Senhora da Alumieira, a advogada dos partos felizes, hagiónimo equivalente a Nossa Senhora do Bom Despacho, do Bom Parto, do Bom Sucesso (ou Bonsucesso), da Boa Hora ou, simplesmente, do Parto. Estamos, manifestamente, perante antigos cultos da fertilidade, associados às festividades do equinócio da Primavera, aos rituais de passagem e de renovo das antigas concepções do tempo cíclico e do eterno retorno, que o tempo linear judaico-cristão não conseguiu apagar.
Nestes três casos, as festividades profanas e religiosas têm lugar na segunda-feira de Páscoa, englobando procissão e uma grande diversidade de festejos. No lugar esgueirense, o povo espalha-se pela área que envolve a capela, cada família em volta da toalha estendida no chão, na qual se dispõem o folar e os petiscos que, noutros tempos, era constituído por carapau salpicado com favas e batata nova, duas das novidades agrícolas desta época do ano.
No lugar da Taipa, há sessenta anos atrás (Melo, 1947), ainda as ruas se juncavam de ervas de cheiro, havia foguetório e filarmónicas, entremez e comezaina com fartura, com destaque para os folares e as caçoilas de carneiro assado. Hoje talvez só falte o entremez.
No largo principal de Alumieira, na vila e freguesia do Loureiro, durante o chamado "arraial da Páscoa", destaca-se "o saltar do rego", uma corrida de cavalos e burros que mantém o antigo nome, adquirido no tempo em que a praça era atravessada por um rego de água, aproveitado para o regadio dos campos, rego que os participantes saltavam, num claro indício de ancestrais ritos de passagem. Acontece que, nalgumas das antigas festas celtas da Irlanda, também havia corridas de cavalos, como as que se realizavam em Emain Macha, no Ulster, ou em Tailtiu, no reino central de Meath (Hubert, 1988: 466-467).
Encontrámos mais duas capelas dedicadas a Nossa Senhora da Alumieira, no distrito de Aveiro, uma na freguesia de Aguada de Baixo (concelho de Águeda) e outra na freguesia e concelho de Oliveira do Bairro. Em ambos os casos as festividades acontecem no dia 1 de Agosto, precisamente o dia em que os celtas comemoravam o Lughnasadh, o festival das colheitas e das primícias, em honra do deus Lug, o "Luminoso".
Todos os topónimos e hagiotopónimos da série Lumiar e Alumieira têm algo a ver com "luz", com o Sol, mas pressupõem igualmente a ideia de "limiar", de "porta" e de "passagem", relacionada com o tempo cíclico do homem arcaico e das civilizações tradicionais, um tempo complexo que só reconhece o profano no sagrado, com este a realizar-se nas mais diversas hierofanias. Daí os símbolos e ritos celestes, o culto do Sol e da Lua, o culto das águas e das pedras, o culto da deusa-mãe, com todos os símbolos e rituais de renovação e fertilidade, procurando, através do mito, inscrever no presente, no tempo profano, o tempo sagrado do in illo tempore primordial. Se procurarmos na já referida freguesia do Lumiar, do concelho de Lisboa, para além do que já detectámos antes, de que demos notícia na postagem anterior, ainda podemos encontrar a igreja e o culto de Nossa Senhora da Porta do Céu, a porta que se abre para o outro mundo.
Os topónimos e hagiotopónimos estudados nestas últimas postagens enraízam-se nas religiões pré-romanas, profundamente caldeadas em sincretismos de todos os tempos, desde a deusa-mãe do Neolítico e do Megalitismo, ao contributo de vagas sucessivas de povos que, atravessando a Europa, chegaram a esta faixa ocidental da Hispânia, transformada em finisterra pelas limitações técnicas que, durante milénios, transformaram o Atlântico num obstáculo à conquista de novos horizontes a Poente.
E porque não é fácil apagar crenças religiosas que atravessam centenas ou milhares de gerações, não podemos estranhar que, já no século VI, o bispo Martinho de Dume (arredores de Braga) se insurja, na obra De correctione rusticorum ("Acerca da correcção dos rústicos"), contra os que continuam a adorar o Sol, a Lua, as estrelas, o fogo e as águas, contra a adoração das divindades que simbolizam o mar, os rios, as fontes e os bosques, contra as comemorações da passagem do ano, contra os que levantam montões de pedras nas encruzilhadas ou os que acendem tochas ou fogueiras junto dos penedos, árvores, fontes e entroncamentos. De outros rituais pagãos nos dá conta a colecção de cânones organizada pelo mesmo bispo, depois do segundo concílio de Braga de 572 (Vasconcelos, 1989: vol. 3, p. 566-573). Passados mais de catorze séculos, continuamos a ver a Igreja combater e condenar muitas das manifestações profanas com que o povo enfeita grande parte das festividades religiosas.

Ver bibliografia na postagem do dia 4 de Março

sexta-feira, 16 de março de 2007

A magia das luzes: Alumieira, Lumiar (2)

Antes de estabelecermos as relações que nos parecem relevantes, entre as etimologias e as realidades expressas na toponímia que estamos a tratar, é altura de tecermos algumas considerações sobre as características físicas de alguns destes lugares.
Lumiares corresponde, como vimos, a um lugar da freguesia de Santa Cruz (antiga Santa Cruz de Lumiares), do concelho de Armamar, em zona de planalto e de encontro de caminhos, que ligam esta povoação às sedes das freguesias de Cimbres, Santa Cruz, Santiago, São Martinho das Chãs e São Cosmado. O vértice geodésico homónimo, na freguesia de São Martinho das Chãs, deve ter recebido o nome desta povoação, que lhe fica próxima, ainda que integrada numa outra freguesia. As grafias Lemenares e Lemeares, presentes em dois documentos de 1258, mostram que o topónimo provém do étimo latino limens > liminare-, cujo significado andou confundido com o do latim limite- "caminho, estrada", como se depreende da leitura de um documento de 1105, onde expressamente se diz "per illum liminare que venit de Vallonzel", isto é, "pelo caminho que vem de Vallonzel" (Fernandes, 1999: 398, s.v. "Lumiar"). Na evolução etimológica deste topónimo também encontramos a contaminação com "alumiar", o que poderá indiciar aproximações mitológicas aos fenómenos religiosos que detectámos nos nomes de lugares que referimos a seguir.

Lumiar, na freguesia de S. Vicente, concelho de Chaves, identifica um microtopónimo raiano, no cume de um monte com mais de 650 metros de altitude, junto ao sítio do "Castelo [ou Castro] da Cidadelha", tendo, do lado da fronteira galega e a mais de 700 metros de altitude, respectivamente a Poente e a Norte, os sítios denominados "Lumeares da Cidadella" e a "A Cidadela" (grafia dos dois topónimos galegos recolhidas na Carta Militar, folha 22). Um outro Lumiar empresta o nome a uma pequena povoação da freguesia de Pelmá, concelho de Alvaiázere, também este no alto de um monte, aqui em zona menos acidentada, com cerca de 230 metros de altitude. Temos ainda outro Lumiar, freguesia do concelho de Lisboa, no aro urbano da cidade, em torno de uma colina em cujo topo se ergue a igreja paroquial. Desta série resta-nos a Pedra do Lumiar, em zona montanhosa da freguesia e concelho de Góis, que identifica um vértice geodésico a 874 metros de altitude. Corre-lhe aos pés a Ribeira do Lumiar.
Mais à frente, quando abordarmos as realidades relacionadas com as capelas de invocação de Nossa Senhora da Alumieira, falaremos então do topónimo Alumieira.
Regressando ao concelho de Armamar, em que se integra o lugar de Lumiares, destacamos a grande antiguidade dos oragos das diferentes paróquias, o que, articulado com as datas das respectivas celebrações e a marca de algumas manifestações festivas, como "o grande toco de Natal", que arde na praça ou no adro da igreja, ou as romarias de São Lázaro (com a bênção do gado), de São Gregório e de São Domingos, mostram a cristianização de diferentes cultos pagãos.
No Lumiar do concelho de Alvaiázere não nos foi possível conhecer o orago da igreja ou capela local, mas Pelmá, a freguesia do povoado em apreço, celebra São João Baptista como padroeiro, a festividade cristã que se sobrepôs às comemorações pagãs do solstício de Verão. Por sua vez, a freguesia de Góis, onde se integram a Pedra do Lumiar e a Ribeira do Lumiar, tem como orago Santa Maria Maior, que se festeja a 5 de Agosto, logo a seguir às festividades celtas em honra do deus Lug, "O Luminoso".
Lumiar, no concelho de Lisboa, denuncia um sincretismo mais completo, quando relacionamos os oragos locais com as festividades religiosas e profanas. O orago da freguesia é, mais uma vez, São João Baptista, com festividade a coincidir com o solstício de Verão. Na igreja matriz há também um altar dedicado a Santa Brígida, cultuada antes em capela entretanto desaparecida, que existia nos terrenos actualmente ocupados pelo cemitério. O culto desta santa, pretensamente portuguesa e natural de Lisboa, "martirizada pelos bárbaros no primeiro de Fevereiro do ano 518" (Pereira, 1909: vol. 4, p. 579), que ninguém sabe quem na verdade seja, apoia-se numa relíquia, a cabeça que, no reinado de D. Dinis, para aqui teria vindo, trazida por três cavaleiros irlandeses (ibidem). A lenda, bastante confusa, não explica como é que a cabeça da santa, natural de Lisboa, foi parar à Irlanda. Mas, do que não podemos duvidar é do celtismo irlandês e da importância da deusa Birgit na mitologia céltica, que a Igreja venceu através da cristianização do respectivo culto, substituído por uma santa homónima, a Santa Brígida padroeira da Irlanda.
Em meados do século XIX realizavam-se três feiras anuais no Lumiar, nos meses de Fevereiro, Junho e Agosto, datas que correspondem a três dos principais festivais do paganismo celta. A primeira destas feiras, a de Santa Brígida, que ainda acontecia no princípio do século XX, sobrepunha-se ao Imbolc celta do 1º de Fevereiro, também chamado Oilmec e Candlemas (= Candelária). A festa do fogo ou "Noite de Birgit" acontecia na passagem do dia 1 para o dia 2 de Fevereiro, dia que, no Lumiar, correspondia à comemoração de Santa Brígida, com romaria e bênção do gado, e, no santoral romano, à festa litúrgica em honra de Nossa Senhora da Candelária, também chamada Nossa Senhora das Candeias ou Nossa Senhora da Purificação. O Imbolc celta celebrava o despertar da terra e o poder do Sol, em franco crescimento nesta altura do ano. A deusa Birgit era venerada como a virgem da Luz que anuncia a Primavera, o que nos leva de imediato a Nossa Senhora da Candelária, do latim candela- "círio, tocha, archote", isto é, aquela que alumia, que purifica como o fogo.
A feira de Junho coincidia com as festas celtas do solstício de Verão que, como já atrás dissemos, foram cristianizadas com os festejos sanjoaninos, mas sem se conseguir que o paganismo anterior deixasse de aflorar na parte profana destas comemorações.
Por último, a feira de Agosto poderia corresponder a outro festival celta, o Lughnasadh, as festas que celebravam o casamento de Lug, a festa das colheitas que, na Irlanda, também andava ligada às divindades da fertilidade.

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Bibliografia: ver postagem anterior

domingo, 4 de março de 2007

A magia das luzes: Alumieira, Lumiar (1)

ALUMIEIRA (lugares das freguesias de Esgueira e Loureiro, respectivamente nos concelhos de Aveiro e Oliveira de Azeméis), LUMIAR (lugar da freguesia de Pelmá, no concelho de Alvaiázere; vértice geodésico e freguesia no concelho de Lisboa; monte na freguesia de S. Vicente, no concelho de Chaves), LUMIARES (vértice geodésico na freguesia de São Martinho das Chãs e lugar na freguesia de Santa Cruz, no concelho de Armamar), PEDRA DE LUMIAR (vértice geodésico na freguesia e concelho de Góis) e RIBEIRA DO LUMIAR (ribeira na freguesia e concelho de Góis); LUMEARES DA CIDADELLA (monte na Galiza), AS LUMIEIRAS (lugar da paróquia de Millán, Galiza).
NOSSA SENHORA DA ALUMIEIRA: capelas no lugar de Alumieira da freguesia de Esgueira, e no lugar de Taipa da freguesia de Requeixo, uma e outra no concelho de Aveiro; capela no lugar de Landiosa, na freguesia de Aguada de Baixo do concelho de Águeda; capela no lugar de Lavandeira, na freguesia e concelho de Oliveira do Bairro; capela no lugar de Alumieira, na freguesia de Loureiro do concelho de Oliveira de Azeméis. O orago da capela do lugar de Taipa (Requeixo, Aveiro) é conhecido localmente pela forma sincopada de Nossa Senhora da ALMIEIRA.

Enquanto a forma "Lumiar" se manteve despida de quaisquer acrescentos, já o parente (?) "Lumieira", quando emprestado à toponímia, pelo menos em Portugal, apresenta-se sempre sob a forma prostética "Alumieira", ou, para sermos mais precisos, com a coalescência do artigo definido a, fenómeno fonético que nada lhe acrescenta em termos de significado, limitando-se a facilitar a respectiva articulação.
Os mais atentos já estarão a reclamar, chamando à colação o topónimo ALUMIARA, lugar da freguesia de Canidelo, concelho de Vila Nova de Gaia. Contudo, o que a este se acrescentou não foi o a- inicial, mas sim o -u- interconsonântico, aqui colocado pelo tempo e pelo povo por contaminação de "alumiar". Com efeito, o lugar de "Alumiara", alcandorado no alto de uma colina com cerca de 70 metros de altitude, ocupando uma posição donde é possível observar as entradas e saídas da barra do Douro, integra-se na família "Almiara", do árabe al-menara, pelo que deveria ter sido incluído na postagem do passado dia 27 de Fevereiro, se a forma o não tivesse escondido quando, na Carta Militar, fizemos a pesquisa a partir de alm-. Daí ser importante a investigação de base documental, que ajuda a separar as águas e a estruturar cientificamente o estudo toponímico, já que torna possível encontrar as grafias antigas, indispensáveis à descoberta de étimos que, muitas vezes, estão completamente escondidos sob as formas actuais. O motivo de todo este arrazoado centra-se em documentação do século XII, do Cartulário Baio-Ferrado do Mosteiro de Grijó, onde a careca do topónimo é posta ao léu, através das formas "Almeara" (1145 e 1152) e "Almenara" (1152, 1156) (vd. Durand, 1971: 25, 37, 222). Portanto, a evolução etimológica deste topónimo teria seguido o percurso Almenara > Almeara > Almiara > Al(u)miara.
Quanto ao topónimo "Alumieira", ainda se mantém vivo em português o apelativo derivado do mesmo étimo. Referimo-nos às falas "lumieira" , com o significado, entre outros, de "fogueira, fogo, lume" ou "archote, facho" (Machado, 1991), e "lumeeira", com o mesmo sentido (Houaiss, 2003), do plural neutro latino luminaria [> *lumineira > lumeeira (séc. XIII) > lumieira (séc. XV)].
Pelo que fica dito, vimos como a voz "lumieira" (étimo latino) anda semanticamente aparentada a "almenara", "atalaia" (étimos árabes) e "facho" (étimo latino), embora não tenha tido o êxito toponímico destes últimos.
No âmbito da etimologia, o problema complica-se quando nos reportamos a "Lumiar", fala que pode ter tido origem em dois étimos diferentes. Um dos étimos poderia corresponder ao latim luminare "luz, candeia, archote", singular do atrás referido luminaria; o outro, mais de acordo com os testemunhos históricos da língua, radicaria no latim liminare, adjectivo derivado do substantivo limen, liminis "soleira da porta; porta, entrada; casa, morada; limites, fronteiras", nome que os antigos latinos ligavam semanticamente a limes, limitis "caminho que limitava uma propriedade; limite, fronteira; caminho, atalho, estrada; leito dum rio, rego; muralha, muro de defesa".
O substantivo "lumiar" (também com a grafia lomear) já aparece no século XIV, com o significado de soleira da porta (Cunha, 2002). No primeiro quartel do século XVIII continuamos a encontrar o registo "Lumiar da porta: Entrada da porta" com chamada ao verbete "Liminar" (Bluteau, 1716: vol. 5, p. 203), no qual podemos ler:
"Liminar, ou Lumiar. A parte inferior, ou o chão da porta. Limen, inis. [...] Esta palavra Liminar, vem do Latim Limen, que significava a porta de um Templo, e algumas vezes o mesmo Templo; donde nasce que se dizia que os Peregrinos iam Ad limina Apostolorum, em lugar de dizer que iam visitar os lugares Santos. Também chamavam Liminares os nichos em que se colocavam estátuas, porque havia muitos deles nas entradas dos Templos" (Bluteau, 1716, Vol. 5, p. 130).
No primeiro volume desta mesma obra, encontramos, sub verbo "ALUMIAR: Fazer luz; quando se fala no Sol, em uma tocha, em uma candeia, etc. [...]". E, um pouco mais à frente, "Alumiar (termo de parida): Porque a criatura antes de nascer está no ventre materno como em um cárcere escuro e sem luz" (Bluteau, 1712, Vol. 1, p. 309).

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bibliografia:
AYÁN VILA, Xurxo M. (coord.) (2002) — Pasado e futuro de Castrolandín (Cuntis): unha proposta de recuperación e revaloración. TAPA: Traballos de Arqueoloxía e Património. Santiago de Compostela: Instituto de Estúdios Galegos Padre Sarmiento. N.º 29 (2002) 187 p. ISSN 1597-5357.
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BLUTEAU, Rafael (1712-1721) — Vocabulário Portuguez e Latino... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu (tomos 1 a 5); Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva (tomos 6 a 8), 1712-1721. 8 vol. Há uma edição em cd-rom da Academia Brasileira de Letras.
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COSTA, Mário Alberto Nunes — A Provedoria de Esgueira. Arquivo do Distrito de Aveiro. Aveiro: Francisco Ferreira Neves. Vol. 24, nº 93 (1958), p. 53-80.
CUNHA, Antônio Geraldo da (coord.) (2002) — Vocabulário Histórico-Cronológico do Português Medieval. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa e Ministério da Cultura. Cd-rom, versão 1.0. ISBN 85-7004-237-X.
DURAND, Robert (ed.) (1971) — Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastère de Grijó (XIe-XIIIe siècles). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português. LV, 330 p. (Fontes Documentais Portuguesas; 2).
ESPÍRITO SANTO, Moisés (1988) — Origens orientais da religião popular portuguesa, seguido de ensaio sobre toponímia antiga. Lisboa: Assírio e Alvim. XVI, 395 p. (Peninsulares/especial: 10)
ESPÍRITO SANTO, Moisés (2000) — Origens do cristianismo português, precedido de A Deusa Síria de Luciano. Lisboa: ISER da Universidade Nova. 225 p.
FERNANDES, A. de Almeida (1999) — Toponímia Portuguesa: Exame a um dicionário. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 576 p. ISBN 972-9474-13-3.
FERRO RUIBAL, Xesús (dir.) (1998)
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PEREIRA, Esteves; RODRIGUES, Guilherme (1904-1915)
Portugal: Diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico. Lisboa: João Romano Torres. 7 vol.
REBELO, Domingos (1989) — O culto a Maria na diocese de Aveiro. Aveiro: Secretariado Diocesano. 192 p. ISBN 972-577-115-X.
THIBAUX, Jean-Michel (1999) — Pour comprendre les Celtes et les Gaulois. Paris: Pocket. 219 p. (Pocket: 10627). ISBN 2-266-08527-1.
VASCONCELOS, J. Leite de (1989) — Religiões da Lusitânia. Lisboa: Imprensa Nacional–Casa da Moeda. 3 vol. (Temas Portugueses). Fac-simile da 1ª edição. (Vd. também GARCIA, José Manuel)

sexta-feira, 2 de março de 2007

Espreitar o inimigo, guiar os marinheiros, honrar a divindade: o Facho

Alto da Facha, Alto do Facho, Azenhas do Facho, Barragem do Facho, Cabeço do Facho, Cara do Facho, Casal do Facho, Corga dos Facheiros, Coto dos Fachos (Galiza), Cruz da Facha, Cruz do Facho, Cruzeiro do Facho, Descida do Facho, El Facho (Castela e Leão), Fachada, Fachal, Facheiros, Facho (Portugal continental, Açores, Madeira e Galiza), Facho da Azóia, Facho da Ponte, Fonte do Facho (Açores), Fragas do Facho, Malhada do Facho, Moinho do Facho, Monte do Facho, O Facho (Galiza), Outeiro do Facho, Pedra Facha (Galiza), Pico do Fachial (Açores), Pico do Facho (Madeira), Ponta do Facho (Açores), Quinta do Facho, Ribeiro dos Facheiros, Rio Abade do Fachedo (Galiza), Senhora do Facho, Serra do Facho.

"Facho", com o significado de "archote, luzeiro, lanterna", do latim *fasculo-, diminutivo de fax, facis, "tocha" e, por metonímia, o lugar onde se acendem esses fogos, é o étimo de mais de uma centena de topónimos portugueses e espanhóis. A Carta Militar 1/25.000 dá-nos 116 ocorrências para o continente e ilhas, apresentando mais 13 no lado espanhol, junto da fronteira, na Galiza e em Castela e Leão.
Ao contrário do que apurámos no estudo de "Atalaia", nome de origem árabe e concentrado no Sul do território nacional, o topónimo Facho está sobretudo presente a Norte do rio Douro (58%) e nos arquipélagos atlânticos (13%). Os distritos a Sul do Douro quase não registam ocorrências e, pelo menos algumas delas, serão de origem antroponímica.
Pinho Leal, depois de confundir Lusitanos com Árabes, define "facho" como o "fogo artificial, convencionado, aceso em uma eminência, para indicar a aproximação do inimigo", acrescentando que este sistema ainda se usou na Guerra Peninsular (1808-1814), havendo "companhias, com oficiais, sargentos e soldados (chamadas companhias do facho) cuja obrigação era fornecerem combustível para o facho, guardarem-no, acenderem-no, etc. segundo as instruções recebidas" (Leal, 1874: v. 3, p. 131).
Detectam-se ainda algumas ocorrências no litoral, em Viana do Castelo, Vila do Conde, Matosinhos, Foz do Arelho, Torres Vedras (dominando a zona do Porto da Azenha), frente ao Cabo da Roca (Sintra) e à Praia dos Coxos (Mafra), perto da Fonte da Telha (Almada) e nos concelhos de Sesimbra e Portimão, localizações que tanto serviam para observação marítima como para protecção das actividades piscatórias.
Com efeito, se consultarmos a EGU, encontramos a definição de "facho" como a "fogueira que se facía num lugar elevado na costa ou no interior para honrar unha festividade ou para servir de sinal ou guía ós mariñeiros", ou "lugar elevado onde se prendía unha fogueira que servía de guía ós mariñeiros" (Ledo Cabido: vol. 8, p. 515).
A definição da EGU, ao mencionar a função de "honrar unha festividade", abre a pista para outra das atribuições de muitos destes lugares, principalmente os sítios desabitados no alto dos montes. Embora voltemos a este assunto na próxima postagem, quando estudarmos um outro topónimo aparentado com os já tratados "Almenara", "Atalaia" e este "Facho", podemos desde já avançar que se trata de manifestações das velhas liturgias pagãs, anteriores à entrada do cristianismo na Península e que a hierarquia da Igreja combate desde há vários séculos, como transparece dos escritos de S. Martinho de Dume (séc. VI) e dos cânones do II Concílio de Braga de 572.

Bibliografia:
LEAL, Augusto Soares d' Azevedo Barbosa de Pinho; FERREIRA, Pedro Augusto (1873-1890) —
Portugal antigo e moderno: diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira. 12 vol.
LEDO CABIDO, Bieito (dir.) (1999-2006) —
Enciclopedia Galega Universal. Vigo: Ir Indo Edicións. 16 vol. ISBN 84-7680-288-9.
PEREIRA, [João Manuel] Esteves; RODRIGUES, Guilherme (1904-1915) —
Portugal: diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico… Lisboa: João Romano Torres, vol. 3, p. 258.