terça-feira, 4 de dezembro de 2007

CHOROSA e outros fitotopónimos terminados em -OSA

Penso que Gundibaldo terá razão, quando integra o topónimo Chorosa (lugar da freguesia de Febres, concelho de Cantanhede) na série da postagem anterior. Estaremos, tudo o indica, perante um fitotopónimo que qualifica uma região em que, na altura própria, seria notória a abundância de flores.

O mesmo não acontecerá com um outro Chorosa, que identifica umas casas na freguesia da Conceição, no concelho de Tavira. Se não for alcunha de proprietária ou moradora (neste caso com conotações a choro e não a flores), poderá corresponder a um assentamento de pessoas oriundas do lugar homónimo do concelho de Cantanhede. A conclusão assenta no facto do romance moçárabe ignorar a palatalização dos grupos iniciais CL-, PL- e FL-, enquanto a evolução flore- > chor já tinha regredido aquando da conquista do Algarve no século XIII, em parte por acção erudita, em parte para evitar confusão com “choro” e seus derivados.

Aproveitamos para fornecer alguns fitotopónimos com origem na substantivação de adjectivos formados através do sufixo latino -osus, a, um, adjectivos que, originalmente, qualificavam a terra ou terreno, com a noção abundancial. É uma pequena amostra, que pode ser completada com a consulta das Cartas Militares de 1:25000. Pela novidade, chamo a atenção para a entrada “Candosa”.

Abrunhosa
abrunho + -osa; de a- + latim prunum,iameixa” através de *pruneu-

Afeitosa
a- + feto ou feito + -osa; do latim filictu- “lugar onde há fetos

Ameixiosa
ameixia” forma antiga de ameixa + -osa; do lat. *(d)amascina-, por (d)amascéna-, “ameixa de Damasco”

Amieirosa
amieiro
+ -osa; latim vulgar *amoenarìum, de amoena (arbor)árvore amena

Brunhoso
brunho
+ -oso; do latim prunum,iameixa” através de *pruneu-; ver também Abrunhosa

Cadavosa
de
cádava + -osa; “cádava: conjunto de troncos de árvores e de pés de mato, que permanece de pé após as queimadas” e que serve para lenha. Origem desconhecida.

Candosa
de candano + -osa (candanosa > candaosa > candosa, com todas as formas documentadas); *candano (> candão > “cando”), terá sido um apelativo que entretanto se perdeu, mas que continua vivo num vasto conjunto de topónimos portugueses e galegos, entre os quais podemos destacar Canda, Candaídos, Candaira, Candais, Candal, Candam, Candanedos, Candanes, Candão, Candaria, Candedo, Candedos, Candeeira, Candeeiras, Candeeiro, Candeeiros, Candela, Candelhe, Candelo, Candieira, Candieiras, Candieirinha, Candieiro, Candieiros, Cando, Candos, Candosa, Candoso, etc. Para Almeida Fernandes (1999: 135-137) o vocábulo *candano seria «de raíz pré-romana cand-, relativo aos terrenos rochosos» (idem, p. 136).

Pela nossa parte, considerando a importância do xilocombustível na vida material das sociedades pré-industriais, inclinamo-nos para uma raíz indo-europeia, que integraria estes nomes na fitotoponímia. Com efeito, em asturiano encontramos a voz cándana, “cana grande e seca, especialmente quando fica branca por se ter queimado”; encontramos também a fala cándanu, com o significado de «ramo seco de qualquer árvore, que caia ao chão; ramo seco esbranquiçado; cana seca; árvore seca”. Para legitimar a opção indo-europeia e a respectiva semântica, relacionada com a madeira como combustível, podemos recorrer à raíz sânscrita cand "brilhar" (Huet, 2007: 143), da qual deriva o verbo latino candere “queimar, estar em brasa, aquecer até se tornar branco, brilhar de brancura”, enquanto lembramos a existência dos vocábulos sânscritos candana “árvore ou madeira de sândalo” (ibidem) e skandha “tronco de árvore” (idem, p. 436).

Carvalhosa
de
carvalho + -osa; região coberta de carvalhos. Discute-se a origem desta fala, por certo pré-romana. Em 958 já aparece documentada sob a grafia carbalio.

Edrosa, Edroso
do latim *hederosa, *hederosu, de hedera > héera > hera; ver também Odrosa

Encinosa
de enzinha + -osa; região coberta de azinheiras. Do latim vulgar ilicína feminino derivado do latim clássico ílex, ìcis “azinheira” (árvore).

Ervedosa
de êrvedo + -osa; região coberta de medronheiros. Do latim *erbìtu-, por arbùtu-, “medronheiro”.

Espargosa
de espargo + -osa; região coberta de espargos. Do latim asparagu-, e este do grego άσπάραγος “espargo”.

Falgarosa, Falgaroso
de felga/*falga + -eira + -osa; região coberta de fetos. Do latim *filica (de filix) > felga (=feto)

Falgueirosa, Ribeira de
de felga/*falga + -eira + -osa; em região coberta de fetos. Do latim *filica (de filix) > felga (=feto)

Feitosa
de feto ou feito + -osa; do latim filictu- “lugar onde há fetos”; ver também Afeitosa

Folgosa
de felga + -osa; região coberta de fetos. Do latim *filica- (de filix) > felga (=feto). *Felgosa > Folgosa por assimilação.

Freixosa
de freixo + -osa; região coberta de freixos. Do latim fraxinu- “freixo”

Funchosa
de funcho + -osa; região coberta de funchos. Do latim fenuculu-, por feniculu- “funcho”

Gestosa
de giesta + -osa > gestosa, por crase a desfazer o hiato (prevaleceu o -e-); região coberta de giestas. Do latim genesta- ou genista- “giesta, giesteira”

Gistosa
de giesta + -osa > gestosa, por crase a desfazer o hiato (prevaleceu o -i-); região coberta de giestas. Do latim genesta- ou genista- “giesta, giesteira”

Juncosa
de junco + -osa; região onde abunda o junco. Do latim juncu- “junco”

Lourosa
de louro + -osa; região onde abundam os loureiros. Do latim lauru- (> louro) “loureiro”

Matosa
de mata + -osa; região coberta de plantas silvestres de porte diverso. Do latim tardio matta- “esteira de junco; porção de plantas que cobre certa porção de terreno”; o vocábulo “mata” já ocorre no século VI, na Península Ibérica.

Matagosa
de mata + -g- + -osa; região coberta de plantas silvestres de porte diverso. Do latim tardio matta- “esteira de junco; porção de plantas que cobre certa porção de terreno”

Murtosa
de murta + -osa; região onde abunda a murta, “designação comum a várias plantas de diferentes géneros e famílias, especialmente do género Myrtus, Myrcia e Eugenia, da família das mirtáceas. Do latim murta-, por myrta-, do grego μύρτος

Odrosa
por Edrosa, do latim *hederosa, de hedera > héera > português “hera”. Ver Edrosa

Ortigosa
de ortiga (=urtiga) + -osa; região abundante em urtigas. Do latim urtica- “urtiga”

Pampilhosa
de pampilho + -osa; região abundante em pampilhos, “nome vulgar extensivo a várias plantas (em especial à também chamada malmequer), da família das Compostas, algumas das quais muito frequentes em Portugal”. Do latim *pampiniculus- ? (< pampinu- “parra, folhagem da videira” + -iculus, sufixo nominal diminutivo)

Sabugosa
de sabugo (=sabugueiro) + -osa; região em que abundam os sabugueiros. Do latim sabucu- “sabugueiro”

Teixosa
de teixo + -osa; região abundante em teixos, “designação comum às árvores e arbustos, perenes e dióicos, do género Taxus, da família das taxáceas. Do latim taxu- “teixo”

Zambujosa
de zambujo (=zambujeiro) + -osa; região coberta por mata de zambujeiros. Do hispano-árabe az-zabbúdj “oliveira brava”

Bibliografia
FERNANDES, A. de Almeida (1999) – Toponímia Portuguesa: Exame a um dicionário. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 251 p. ISBN 972-9474-09-5.
GALMÉS DE FUENTES, Álvaro (1983) –
Dialectología mozárabe. Madrid: Editorial Gredos. 380 p. ISBN 84-249-0916-X.
HUET, Gérard (2007) –
Héritage du Sanskrit: Dictionnaire sanskrit-français. Versão 223. Em linha no endereço http://sanskrit.inria.fr/Dico.pdf. (26 de Novembro de 2007).